quarta-feira, 30 de setembro de 2015

01 de Outubro - 21.30 - Celebração Santa Missa Memória Liturgica de Santa Teresinha com Veneração de Reliquia de 1º Grau



dia 1 de Outubro

Memória litúrgica de Santa Teresinha do Menino Jesus

20.45 - Recitação do Terço

21.30 - Celebração da Santa Missa e Veneração da Relíquia 1º Grau oferecida à Paróquia

 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

América 2015: Um Papa no palco do mundo (síntese)

Agência Ecclesia

                               
(Lusa)
                      (Lusa)

Francisco multiplicou mensagens religiosas e políticas sobre família, ecologia, migrações e solidariedade

Filadélfia, 28 set 2015 (Ecclesia) – O Papa Francisco encerrou este domingo em Filadélfia a sua primeira viagem aos Estados Unidos da América, onde multiplicou gestos de apoio aos mais desfavorecidos e mensagens religiosas e políticas sobre família, ecologia, migrações e solidariedade.

A visita começou na terça-feira, em Washington, e o Papa discursou no dia seguinte, diante do presidente Barack Obama, na Casa Branca, onde chegou a bordo do famoso Fiat que foi uma das imagens de marca destes dias, tendo feito a primeira referência aos temas da liberdade religiosa e da crise ecológica, que viriam a ser recorrentes.

Francisco recordou por diversas ocasiões a responsabilidade moral dos EUA em temas como o aborto, as migrações ou o terrorismo.

Ainda na capital norte-americana, o Papa canonizou São Junípero Serra, franciscano do século XVIII que levou a mensagem cristã à Califórnia, recordando todos os que defenderam os direitos das populações indígenas.

Francisco foi o primeiro pontífice a discursar perante o Congresso, manifestando admiração pela história norte-americana antes de apelar ao fim da pena de morte, bem como a uma maior ação na luta contra a pobreza e em defesa do ambiente.

Apesar da barreira da linguagem – apenas quatro intervenções em inglês – e das evidentes limitações físicas, por causa dos problemas na ciática, Francisco ultrapassou distâncias e ganhou simpatias como 'o Papa do povo', com multidões a acompanharem as suas passagens por Nova Iorque e Filadélfia.

Na sede das Nações Unidas, onde foi o quinto a Papa a discursar até hoje, o pontífice argentino aproveitou o palco global para apresentar uma série de preocupações: a reforma da própria ONU e das organizações financeiras internacionais, a pobreza, a crise ambiental, a perseguição dos cristãos.

Em Filadélfia, cidade símbolo da independência dos EUA, o Papa apelou à defesa da liberdade religiosa e ao diálogo entre os vários credos para promover o respeito pelo ser humano.

A mesma preocupação tinha marcado a cerimónia inter-religiosa em memória das vítimas dos atentados do 11 de setembro, no ‘Groud Zero’.

Uma semana antes de dar início a uma nova assembleia do Sínodo dos Bispos, Francisco encontrou-se com milhares de famílias de todo o mundo e pediu aos responsáveis católicos um discurso mais positivo sobre os temas do matrimónio e da vida familiar.

Na Missa final deste evento, o Papa abriu os braços da Igreja a todos os que trabalham em favor da família, independentemente de raças ou credos.

Simbolicamente, o Papa encontrou-se com alunos imigrantes, sem-abrigo, presos e vítimas de abusos sexuais, a quem prometeu determinação.

A décima e mais longa viagem do pontificado, até ao momento, tinha começado no último dia 19, com uma visita de quatro dias a Cuba, mais centrada na comunidade católica, que passou por Havana, Holguín e Santiago.

A chegada ao aeroporto de Ciampino, em Roma, está prevista para as 10h00 locais (menos uma em Lisboa), após oito horas de voo.

OC
 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Cuba: Papa encerra visita centrada na reconciliação e na mudança

Francisco elogiou resistência da Igreja Católica, projetando o seu papel no pós-castrismo

Santiago, Cuba, 22 set 2015 (Ecclesia) – O Papa Francisco encerrou hoje a sua primeira visita a Cuba, iniciada no sábado, após ter passado pelas cidades de Havana, Holguín e Santiago onde deixou mensagens centradas na reconciliação e na mudança.

Sem nunca criticar diretamente o regime comunista, Francisco aludiu por várias ocasiões às “feridas” e dificuldades do povo cubano, recordando também todos os que saíram da ilha.

Na homilia da Missa que reuniu cerca de 200 mil pessoas na Praça da Revolução, em Havana, o Papa falou dos mais frágeis e necessitados, advertindo os cubanos para os perigos de “projetos que podem parecer sedutores” mas acabam por desinteressar-se das “pessoas de carne e osso”.

Francisco sublinhou que o serviço ao próximo “nunca é ideológico”, porque procura o bem de pessoas concretas e não de ideias.

Em várias ocasiões, as intervenções papais ligaram a identidade cubana ao catolicismo, desejando que este possa ter um papel de relevo nas transformações em curso na ilha.

Por isso mesmo, junto de milhares de jovens, em Havana, desafiou as novas gerações a construir a “amizade social” e “procurar o bem comum”, com “corações abertos, mentes abertas”, que não se fechem em “ideologias” nem rejeitem o diálogo por causa de diferenças.

Ao chegar a Cuba, o Papa elogiou a “normalização” das relações diplomáticas com os Estados Unidos da América, apelando ao aprofundamento do diálogo político, “em favor da paz e do bem-estar dos seus povos, de toda a América, e como exemplo de reconciliação para o mundo inteiro”.
Já no Santuário de Nossa Senhora da Caridade, padroeira de Cuba, rezou pela “reconciliação” do país e recordou a diáspora cubana.

“Mãe da Reconciliação, reúne o teu povo disperso pelo mundo. Faz da nação cubana um lar de irmãos e irmãs, para que este povo abra de par em par a sua mente, o seu coração e a sua vida a Cristo, único Salvador e Redentor”, disse.

Em Holguín, o Papa elogiou o “esforço e sacrifício” da Igreja Católica para preservar a sua identidade e ação na sociedade cubana, mesmo perante a falta de templos e sacerdotes.

Francisco sublinhou em particular o trabalho nas chamadas «casas de missão», que permitem a muitas pessoas “ter um espaço para a oração, a escuta da Palavra, a catequese e a vida comunitária”.
Já no último dia da visita, o primeiro pontífice sul-americano da história afirmou que a Igreja Católica propõe uma “revolução” que passa pelo serviço ao próximo e o diálogo, depois de aludir às “dores e privações” da história do país, sublinhando que estas dificuldades não conseguiram “extinguir a fé” nem apagar a “alma do povo cubano”.

Francisco encontrou-se com o presidente Raúl Castro, em privado, bem como com o seu irmão, Fidel Castro, longe das câmaras, privilegiando celebrações litúrgicas e momentos de oração no seu programa de quatro dias, acompanhadas por centenas de milhares de pessoas.

Raúl Castro marcou presença nas três Missas e acompanhou Francisco no aeroporto internacional de Santiago, onde decorreu a cerimónia oficial de despedida, e vai voltar a encontrar-se com o pontífice argentino esta sexta-feira, na sede da ONU.

A viagem ficou marcada pela detenção de alguns dissidentes que, alegadamente, terão sido impedidos de ver o Papa.

OC


 

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Reliquia de 1º Grau de Sta. Teresinha do Menino Jesus

Caros Paroquianos,


No dia 17 de Setembro, foi concedida mais uma grande graça de Deus à nossa Paróquia.


A meu pedido, o Carmelo de Lisieux, da Diocese de Bayeux et Lisieux, onde viveu e morreu Santa Teresinha do Menino Jesus, concedeu à nossa Paróquia uma relíquia de 1.º grau do corpo de Santa Teresinha. Chegou, hoje, dia 22 de Setembro.

Esta relíquia vem juntar-se às de Santa Beatriz da Silva e de São João Bosco, que já se encontram à veneração na nossa querida igreja paroquial.

Os santos - homens e mulheres que seguiram o convite de Nosso Senhor à santidade - são modelos de santidade para cada um de nós! Dizem-nos que a santidade é possível e que é aquilo que muitos procuram na palavra «felicidade». Ajudados pelo seu exemplo e intercessão, queremos seguir o Senhor na Sua Igreja Santa! Ajudados pelo seu testemunho, queremos realizar a vocação que Deus nos deu e a ajudar outros a descobrir a sua!

Por isso, caros paroquianos, convido-vos a estar na nossa igreja, no dia 1 de Outubro, dia da memória litúrgica de Santa Teresinha, pelas 21.30h, para a celebração da Santa Missa e veneração da Relíquia no fim.

Que Santa Teresinha, Padroeira universal das Missões, nos ajude a levar a todos a alegria do Evangelho e faça cair sobre o Seixal a chuva de rosas que prometeu a todo o mundo no momento da sua morte santa.

O vosso Prior,

Pe. Tiago Ribeiro Pinto

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Entrevista ao Papa. "Tenho confiança nos políticos jovens. Há um problema mundial que é a corrupção"

ENTREVISTA EXCLUSIVA
14 Set, 2015 - 09:00 • Aura Miguel , no Vaticano
Em entrevista exclusiva à Renascença, o Papa diz que as pessoas estão desiludidas com a "corrupção a todos os níveis". Acredita que o "grande desafio da Europa é voltar a ser a mãe Europa" e apela ao acolhimento dos refugiados. Pede que a catequese "não seja teórica" e que a Igreja saia de si mesma. Acredita que Fátima faz de Portugal um país "privilegiado" e faz uma revelação: "Nunca conheci um português mau." 

Para um Papa que vem do “fim do mundo”, como olha para Portugal e para os portugueses?
Em Portugal, só estive uma vez no aeroporto, há anos, quando vinha para Roma, num avião da Varig que fazia escala em Lisboa, por isso, só conheço o aeroporto. Mas conheço muitos portugueses. E, no Seminário de Buenos Aires, havia muitos empregados, emigrantes portugueses, gente boa, que tinha muita familiaridade com os seminaristas. E o meu pai tinha um colega de trabalho português. Lembro-me do seu nome, Adelino, bom homem. E uma vez conheci uma senhora portuguesa, com mais de 80 anos, que me deixou boa impressão. Quer dizer, nunca conheci um português mau.
No seu discurso aos bispos portugueses, além de elogiar o povo português e olhar para a Igreja com serenidade, o Santo Padre manifesta duas preocupações: uma em relação aos jovens e outra em relação à catequese. O Santo Padre usa uma imagem, dizendo que “os vestidos da primeira comunhão já não servem aos jovens”, mas que há “certas comunidades que insistem em vestir-lhos”. Qual é o problema?
É uma maneira de dizer. Os jovens são mais informais e têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o jovem cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho, mas acompanhá-lo. E saber acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber escutar muito. Um jovem é inquieto. Não quer que o incomodem e, nesse sentido, pode-se dizer que “o vestido da primeira comunhão não lhes serve”. As crianças, pelo contrário, quando vão comungar, gostam do vestido da primeira comunhão. É uma ilusão. Os jovens têm outras ilusões que, muitas vezes, são muito boas, mas há que respeitar, porque eles mesmos não se entendem, porque estão a mudar, estão a crescer, estão à procura, não é? Por isso, é preciso deixar o jovem crescer, há que o acompanhar, respeitar e falar-lhe muito paternalmente.
Porque, ao mesmo tempo, há uma exigência a propor, mas essa exigência, muitas vezes, não é atractiva!
Por isso, há que procurar aquilo que atrai um jovem e exigir-lho. Por exemplo, um caso concreto: se você propõe a um jovem – e vemos isto por todo o lado – fazer uma caminhada, um acampamento ou fazer missão para outro sítio, ou por vezes ir a um “cotolengo” [obra fundada por sacerdote italiano de acolhimento de doentes com grave deficiência  múltiplas, abandonadas pelas famílias e em situação de risco] para cuidar dos doentes, durante uma semana ou quinze dias, entusiasma-se porque quer fazer algo pelos outros. Está envolvido.
“Involucrado”?
Sim, fica por dentro, compromete-se. Não olha a partir de fora. Envolve-se, ou seja, compromete-se.
Então, porque é que não fica?
Porque está a caminhar.
E qual é o desafio que a Igreja, então, deve enfrentar? O Santo Padre também falou de uma catequese, que muitas vezes permanece teórica e onde falta esta capacidade de propor o encontro…
Pois é importante que a catequese não seja puramente teórica. Isso não serve. A catequese é dar-lhes doutrina para a vida e, portanto, tem de incluir três linguagens, três idiomas: o idioma da cabeça, o idioma do coração e o idioma das mãos. E a catequese deve entrar nesses três idiomas: que o jovem pense e saiba qual é a fé, mas que, por sua vez, sinta com o seu coração o que é a fé e, por sua vez, faça coisas. Se falta à catequese uma destas três línguas, destes três idiomas, não avança. Três linguagens: pensar o que se sente e o que se faz, sentir o que se pensa e o que se faz, fazer o que se sente e o que se pensa.
Escutando vossa Santidade, isto parece óbvio, mas, olhando à volta – sobretudo na velha Europa, na velha cristandade – não é assim. O que é que falta? Mudar a mentalidade? Como se faz?
Mudar a mentalidade, não sei, porque não conheço tudo, não é? Mas é verdade que, a metodologia catequética, às vezes, não é completa. Há que procurar uma metodologia da catequese que junte as três coisas: as verdades que se devem crer, o que se deve sentir e o que se faz, o que se deve fazer, tudo junto.
Santidade, para o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima, nós esperamos por si em Portugal. Três Papas já nos visitaram (João Paulo II por três vezes). O Senhor, que ama muito a Virgem, o que espera da sua visita em 2017?
Bom, vamos lá esclarecer as coisas. Eu tenho vontade de ir a Portugal para o centenário. Em 2017 também se cumprem 300 anos do encontro da Imagem da Virgem de Aparecida.
…. uma data estereofónica, em dois lados! (risos)
... por isso, também estou com vontade de lá ir e já prometi  lá ir. Quanto a Portugal, disse que tenho vontade de ir e gostaria de ir. É mais fácil ir a Portugal, porque podemos ir e voltar num só dia, um dia inteiro, ou, quanto muito, ir um dia e meio ou dois dias. Ir ter com a Virgem. A Virgem é mãe, é muito mãe, e a sua presença acompanha o povo de Deus. Por isso, gostaria de ir a Portugal, que é privilegiado.
E o que espera de nós, portugueses? Como podemos preparar-nos para o receber e também para seguir os pedidos de Nossa Senhora?
O que a Virgem pede sempre é que rezemos, que cuidemos da família e dos mandamentos. Não pede coisas estranhas. Pede que rezemos pelos que andam desorientados, pelos que se dizem pecadores – todos o somos, eu sou o primeiro. Mas a Virgem pede e há que se preparar através desses pedidos da Virgem, através dessas mensagens tão maternais, tão maternais... e manifestando-se às crianças. É curioso, Ela procura sempre almas muito simples, não é? Muito simples.
Esta entrevista acontece em plena crise dos refugiados. Santo Padre, como está a viver esta situação?
É a ponta de um icebergue. Vemos estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, que escapa da fome, mas essa é a ponta do icebergue. Porque debaixo dele, está a causa. E a causa é um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro de um sistema económico (dentro do mundo, falando do problema ecológico, da sociedade socioeconómica, da política) o centro tem de ser sempre a pessoa. E o sistema económico dominante, hoje em dia, descentrou a pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda. Ou seja, há estatísticas, não me recordo bem (isto não é exacto e posso equivocar-me), mas 17% da população mundial detém 80% das riquezas.
E esta exploração das riquezas dos países mais pobres, a médio prazo traz esta consequência: a de estes todos que agora querem vir para a Europa…
E o mesmo acontece nas grandes cidades. Por que surgem as favelas nas grandes cidades?
O critério é o mesmo…
É o mesmo; é gente que vem do campo, porque o desflorestaram, porque fizeram monocultivo, não têm trabalho e vão para as grandes cidades.
Em África, também é igual…
Em África... ou seja, é o mesmo fenómeno. Então, esta gente emigrada que vem para a Europa – é a mesma coisa – à procura de um sítio. E, claro, para a Europa neste momento, é uma surpresa, porque até custa a crer que isto esteja a acontecer, não é? Mas acontece.
Mas o Santo Padre, quando foi a Estrasburgo, disse que era “necessário actuar sobre as causas e não apenas sobre os efeitos”. Mas parece que ninguém ouviu e, agora, os efeitos estão à vista…
Temos de ir às causas.
E ninguém o ouviu, muito provavelmente…
Onde as causas são a fome, há que criar fontes de trabalho, investimentos. Onde a causa é a guerra, procurar a paz, trabalhar pela paz. Hoje em dia, o mundo está em guerra contra si mesmo, ou seja, o mundo está em guerra, como digo, uma guerra em folhetins, aos pedaços, mas também está em guerra contra a Terra, porque está a destruir a Terra, ou seja, a nossa casa comum, o ambiente. Os glaciares estão a derreter-se, no Árctico, o urso branco vai cada vez mais para o norte para poder sobreviver.
E a preocupação pelo homem e pelo seu destino, parece ignorada. Como vê a reacção da Europa à vaga de refugiados? Uns constroem muros, outros escolhem os refugiados consoante a sua religião, outros aproveitam esta situação para fazer discursos populistas.
Cada um faz uma interpretação da sua cultura. E, por vezes, a interpretação ideológica, ou das ideias, é mais fácil do que fazer as coisas, que é a realidade. Mais longe da Europa, há um outro fenómeno que também me doeu muito: os “rohingya” [grupo étnico muçulmano, provavelmente, com origem na antiga Birmânia. Marginalizados por razões étnicas e religiosas, foram apontados pela ONU como uma das minorias mais perseguidas do mundo], que foram expulsos do seu país e que entram num barco e partem. Chegam a um porto ou a uma praia, dão-lhes água, dão-lhes de comer e depois, mandam-nos outra vez para o mar e não os acolhem. Ou seja, falta a capacidade de acolhimento da humanidade.
Porque não é tolerar; é mais do que tolerância: é acolhimento.
Acolher, acolher as pessoas, e acolher tal como vêm. Eu sou filho de emigrantes e pertenço à onda migrante do ano 1929. Mas na Argentina, desde o ano 1884, começaram a chegar italianos, espanhóis... portugueses, não sei quando chegou a primeira onda portuguesa; vinham sobretudo destes três países. E quando chegavam lá, alguns tinham dinheiro, outros iam para o hotel de emigrantes e daí eram enviados para as cidades. Iam trabalhar ou procurar trabalho. É verdade que, naquela época, havia trabalho, mas, os da minha família – que tinham trabalho quando chegaram, em 29 –, no ano 32, com a crise económica de 30, ficaram na rua, sem nada. O meu avô comprou um armazém com dois mil pesos que lhe emprestaram e o meu pai, que era contabilista, andava a fazer distribuição com a canasta; ou seja, tinham vontade de lutar, de vencer... Eu sei o que é a migração! E depois, vieram as migrações da Segunda Guerra, sobretudo do centro da Europa, muitos polacos, eslovacos, croatas, eslovenos e também da Síria e do Líbano. E sempre nos demos bem por lá. Na Argentina, não houve xenofobia. E agora, há migração interna na América, vêm de outros países da América para a Argentina, apesar de ter diminuído nos últimos anos, por falta de trabalho na Argentina.
E também do México para os Estados Unidos. Há todo um fenómeno…
O fenómeno migratório é uma realidade. Mas eu queria abordar o tema, sem censurar ninguém. Quando há um espaço vazio, a gente procura preenchê-lo. Se um país não tem filhos, vêm os emigrantes ocupar o lugar. Penso no nível dos nascimentos de Itália, Portugal e Espanha. Creio que é quase 0%. Então, se não há filhos, há espaços vazios. Ou seja, o não querer ter filhos, em parte, – e isto é uma interpretação minha, não sei se está correcta – é um pouco o resultado da cultura do bem-estar, não é? Eu ouvi, dentro da minha própria família, cá, há uns anos, por parte dos meus primos italianos dizer: “Não, crianças, não; preferimos viajar nas férias, ou comprar uma ‘villa’, ou isto ou aquilo”... e os idosos vão ficando sozinhos. Creio que o grande desafio da Europa é voltar a ser a mãe Europa...
E não a…
... a avó Europa. Perdão, há países da Europa que são jovens, por exemplo, a Albânia. A Albânia impressionou-me, gente com 40 anos, 45 anos... e a Bósnia-Herzegovina, ou seja, países que se refizeram depois de uma guerra, não é?
Por isso, o Santo Padre os visitou…
Ah sim, claro. É um sinal para a Europa.
Mas este desafio do acolhimento a estes refugiados que estão a entrar, na sua perspectiva, pode ser muito positivo para a Europa? É um benefício, uma provocação? Finalmente, de algum modo, a Europa pode despertar, mudar de rumo?
Pode ser. É verdade e reconheço que, hoje em dia, as condições de segurança territorial não são as mesmas de outra época porque, na verdade, temos, a 400 quilómetros da Sicília, uma guerrilha terrorista sumamente cruel, não é? Então, existe o perigo da infiltração, isso é verdade.
E que pode chegar até Roma.
Ah sim, ninguém assegurou que Roma seja imune a isto, não é? Mas podem-se tomar precauções e pôr toda a gente que vem a trabalhar. Mas também há outro problema, é que a Europa atravessa uma crise laboral muito grande. Há um país, melhor, vou falar de três países, mas que não vou nomear, dos mais importantes da Europa, em que o desemprego juvenil dos jovens com menos de 25 anos, num país é de 40%, noutro país é de 47% e noutro é de 50%. Há uma crise laboral, o jovem não encontra trabalho. Ou seja, misturam-se muitas coisas. Nisto, não podemos ser simplistas. Evidentemente, se chega um refugiado, com as medidas de segurança de todo o tipo, há que recebê-lo, porque é um mandamento da Bíblia. Moisés disse ao seu povo: “Recebei o forasteiro porque não esqueçais que vós fostes forasteiros no Egipto”.
Mas o ideal era que eles não tivessem fugido, que ficassem nas suas terras, não?
Isso, sim.
No Angelus de 6 de Setembro, lançou o desafio às paróquias para que acolham refugiados. Já houve reacções? O que espera em concreto?
O que eu pedi foi isto: que cada paróquia, cada instituto religioso, cada mosteiro, acolha uma família. Uma família, não uma pessoa. Uma família dá mais segurança de contenção, um pouco para evitar que haja infiltrações de outro tipo. Quando digo que uma paróquia deve acolher uma família, não digo que tenham de ir viver para a casa do padre, para a casa paroquial, mas que toda a comunidade paroquial veja se há um lugar, um canto num colégio para aí se fazer um pequeno apartamento ou, na pior das hipóteses, que arrendem um modesto apartamento para essa família; mas que tenham um tecto, que sejam acolhidos e que se integrem na comunidade. Já tive muitas reacções, muitas, muitas. Há conventos que estão quase vazios.
Há dois anos, o Santo Padre já fez esse apelo e que resultados é que houve?
Só quatro. Um deles, dos jesuítas (risos); muito bem, os jesuítas! Mas o assunto é sério, porque aí também há a tentação do deus dinheiro. Algumas congregações dizem “Não, agora que o convento está vazio, vamos fazer um hotel e podemos receber pessoas e, com isso, sustentamo-nos ou ganhamos dinheiro”. Pois bem, se quereis fazer isso, pagai os impostos! Um colégio religioso, por ser religioso está isento de impostos, mas se funciona como hotel, então, que pague os impostos como qualquer vizinho do lado. Senão, o negócio não é limpo.
E o Santo Padre já disse que, aqui no Vaticano, acolhe duas famílias.
Sim, duas famílias. Já me disseram ontem que as famílias já estavam localizadas e as duas paróquias do Vaticano encarregaram-se de as procurar.
Já estão identificadas?
Sim, sim, sim, já estão. Quem o fez foi o cardeal Comastri, que é o meu vigário-geral para o Vaticano, juntamente com o encarregado da Esmolaria Apostólica, monsenhor Konrad Krajewski, que trabalha com os sem-abrigo e foi quem fez os duches debaixo da colunata, o serviço de barbearia – realmente, uma maravilha – é o que leva os que vivem na rua a ver os museus e a Capela Sistina.
E estas famílias ficam até quando?
Até quando o Senhor quiser. Não se sabe como isto vai acabar, não é? De todas as maneiras, quero dizer que a Europa tomou consciência, e eu agradeço-lhe. Agradeço aos países da Europa que tomaram consciência disto.
A Renascença aderiu em Portugal a uma iniciativa, que reúne instituições cristãs e também de outras religiões, para acolher e movimentar-se a favor dos refugiados. Pode dizer algumas palavras a quem participa nesta plataforma?
Felicito-vos e agradeço-vos pelo que estão a fazer e dou-vos um conselho: no dia do Juízo Final, já sabemos sobre o que vamos ser julgados, está escrito no capítulo 25 de São Mateus. Quando Jesus vos disser “Estive com fome, deste-me de comer?”, vocês vão dizer “Sim. “E quando estive sem refúgio, como refugiado, ajudaste-me?”, “Sim”. Pois, felicito-vos: vão passar no exame! E também queria dizer uma coisa sobre o trabalho com jovens desocupados. Creio que aqui é urgente, sobretudo para as congregações religiosas que têm como carisma a educação, mas também os leigos, os educadores leigos, que inventem cursos, pequenas escolas de emergência. Então, para um jovem que está desocupado, se estudar, durante seis meses, para ser cozinheiro ou canalizador, para fazer pequenas reparações – há sempre um tecto para arranjar - ou para pintor, com esse ofício, terá mais possibilidade de encontrar um trabalho, ainda que parcial ou temporário. Fazer o que nós chamamos de “biscate”, um trabalho ocasional e com isso não está totalmente desocupado. Mas hoje é o tempo da educação de emergência. Foi o que fez Dom Bosco. Dom Bosco, quando viu a quantidade de crianças que havia na rua, disse “tem de haver educação”, mas não mandou as crianças para a escola média ou secundária, sim aprender ofícios. Então, preparou carpinteiros, canalizadores, que os ensinavam a trabalhar e, assim, já tinham com que ganhar o pão. Dom Bosco fez isso. E agora gostava de contar um episódio sobre Dom Bosco. Aqui em Roma, perto do Trastevere, onde...
Era uma zona pobre.
Sim, era uma zona muito pobre, mas que agora é zona da moda para os jovens, para a “movida”, não é? Pois Dom Bosco passou por ali, ia de carruagem – ou de carro, não sei – e atiraram-lhe uma pedrada que partiu o vidro. Ele mandou parar e disse: “Este é o lugar que onde vamos ficar!”. Ou seja, perante uma agressão, não a viveu como agressão, viveu-a como um desafio para ajudar aquela gente, as crianças, os jovens que só sabiam agredir. E hoje, existe ali uma paróquia salesiana que forma jovens e crianças, com as suas escolas e as suas coisas. Assim, volto ao tema dos jovens: o importante é que hoje se dê, aos jovens que não têm trabalho, uma educação de emergência sobre algum ofício que lhes permita ganhar a vida.
É muito crítico também sobre o estilo de vida ocidental e da Europa, o chamado primeiro mundo, muito centrado no bem-estar. O que é que o incomoda mais?
Bem, quer dizer, também nas grandes cidades americanas, quer da América do Norte, quer da América do Sul, existe este mesmo problema, não é só na Europa...
...é o chamado primeiro mundo.
Sim, nas grandes cidades... Em Buenos Aires há um grande sector da cultura do bem-estar e, por isso, também há esses cordões à volta das cidades, as favelas e todas essas coisas, não é? Eu, em relação à Europa, hoje, não lhe atiraria à cara este tipo de coisas. Há que reconhecer que a Europa tem uma cultura excepcional. Realmente, são séculos de cultura e isso também dá um bem-estar intelectual. Em todo o caso, o que eu diria da Europa, é a sua capacidade de retomar uma liderança no concerto das nações. Ou seja, que volte a ser a Europa que define rumos, pois tem cultura para o fazer.
Mas mantém a identidade, hoje em dia, a Europa? Está em condições de afirmar a sua identidade?
O que eu disse em Estrasburgo, pensei muito antes de o dizer. Ou seja, volto a repetir um pouco isso: a Europa ainda não morreu. Está meia-avozinha [risos], mas pode voltar a ser mãe. E eu tenho confiança nos políticos jovens. Os políticos jovens tocam outra música. Há um problema mundial, que afecta não só a Europa, mas o mundo inteiro, que é o problema da corrupção. A corrupção a todos os níveis... e isso também revela um baixo nível moral, não é?
O Santo Padre fala disso na sua última encíclica e pede para as populações estarem mais conscientes. No entanto, verifica-se muita abstenção. Se vemos os resultados das eleições, a abstenção é quase maior do que um partido…
Porque a gente está desiludida. Em parte, por causa da corrupção, em parte pela ineficácia, em parte pelos compromissos assumidos anteriormente. E, no entanto, a Europa – volto a dizer o que disse em Estrasburgo – tem que desempenhar o seu papel, ou seja, recuperar a sua identidade. É verdade que a Europa se enganou – não estou a criticar, mas só a recordar –, quando quis falar da sua identidade sem querer reconhecer o mais profundo da sua identidade, que é a sua raiz cristã, não foi? Aí enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos na vida... está a tempo de recuperar a sua fé.
O que é que pode tocar a liberdade de alguém que “faz o que quer” e que foi educado desde pequeno com um conceito de felicidade para quem “a felicidade é não ter problemas”? Em geral, educam-se as crianças com este desejo de que a felicidade é “não ter problemas e fazer o que se quer”.
Uma vida sem problemas é aborrecida. É um tédio. O homem tem, dentro de si, a necessidade de enfrentar e de resolver conflitos e problemas. Evidentemente, uma educação para não ter problemas, é uma educação asséptica. Faça você mesma a experiência: pegue num copo de água mineral, de água comum, da torneira, e depois pegue num copo com água destilada. Mete nojo, mas a água destilada não tem problemas... (risos) é como educar as crianças no laboratório, não é? Por favor!
Arriscar é importante?
Correr o risco, propor sempre metas! Para educar, faz falta usar os pés. Para educar bem, há que ter um pé bem apoiado no chão e o outro pé levantado mais à frente e ver onde o posso apoiar. E quando tenho apoiado o outro, levanto este [faz o gesto com os pés] e... isso é educar: apoiar-se sobre algo seguro, mas tentar dar um passo em frente até que o tenha firme e, depois, dar outro passo.
Dá mais trabalho educar assim…
É arriscar! Porquê? Porque talvez piso mal e caio... pois bem, levantas-te e segues em frente!
Na onda individualista em que vivemos – falou nisso em Estrasburgo – parece um capricho exigir direitos, sempre mais direitos separados da busca da verdade. Crê que isto é também um problema na maneira de viver a fé?
Pode ser... sempre com mais exigências, sem a generosidade de dar. Ou seja, é exigir só os meus direitos e não os meus deveres perante a sociedade, não é? Eu creio que direitos e deveres caminham juntos. Senão, isso, cria a educação do espelho; porque a educação do espelho é o narcisismo e hoje estamos numa civilização narcisista.
E como é que se a vence, como se combate?
Com a educação, por exemplo, com direitos e deveres, com a educação dos riscos razoáveis, procurando metas, avançando e não ficando quieto ou a olhar ao espelho... não vá acontecer-nos como aconteceu ao Narciso que, de tanto se olhar espelhado na água e se achar tão lindo, tão lindo, “blup”, afogou-se. [risos]
Diz que prefere uma igreja acidentada a uma igreja estagnada. O que entende por “igreja acidentada”?
Sim, eu explico: é uma imagem de vida. Se uma pessoa tem em sua casa uma divisão, um quarto, fechado durante muito tempo, surge a humidade, o mofo e o mau cheiro. Se uma igreja, uma paróquia, uma diocese, um instituto, vive fechada em si mesmo, adoece (acontece o mesmo com o quarto fechado) e ficamos com uma Igreja raquítica, com normas rígidas, sem criatividade, segura, mais que segura, assegurada por uma companhia de seguros, mas não segura! Pelo contrário, se sai – se uma igreja, uma paróquia saem – lá para fora, a evangelizar, pode acontecer-lhe o mesmo que acontece a qualquer pessoa que sai para a rua: ter um acidente. Então, entre uma igreja doente e uma Igreja acidentada, prefiro uma acidentada porque, pelo menos, saiu para a rua.
E aqui, quero repetir uma coisa que já disse noutra ocasião: na Bíblia, no Apocalipse, há uma coisa linda de Jesus, creio que no segundo capítulo (no final do primeiro ou no segundo), em que está a falar a uma Igreja e diz: “Estou à porta e chamo” - Jesus está a bater – “Se me abres a porta, entro e vou comer contigo”. Mas eu pergunto: quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta do lado de dentro para que O deixemos sair, a anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para nós, e esquecemo-nos que uma Igreja que não está em saída, uma Igreja que não sai, mantém Jesus preso, aprisionado.
Foi por causa disso que foi eleito Papa?
Isso pergunte ao Espírito Santo! [risos]
Desde que é Papa, considera que a Igreja está mais acidentada?
Não sei. Sei que, pelo que me dizem, Deus está a abençoar muito a sua Igreja. É um momento que não depende da minha pessoa, mas da bênção que Deus quis dar à sua Igreja, neste momento. E agora, com este Jubileu da Misericórdia, espero que muita gente sinta a Igreja como mãe. Porque pode acontecer à Igreja o mesmo que aconteceu à Europa, não é? Ficar demasiadamente avó, em vez de mãe, incapaz de gerar vida.
É este é o motivo do Jubileu da Misericórdia?
Que venham todos! Que venham e sintam o amor e o perdão de Deus. Conheci, em Buenos Aires, um frade capuchinho, um pouco mais novo do que eu, que é um grande confessor. Tem sempre uma grande fila, com muita gente, está todo o dia a confessar. Ele é um grande “perdoador”, perdoa muito. E, às vezes, tem escrúpulos por ter perdoado muito. Então, uma vez, em conversa, disse-me: “Às vezes, tenho escrúpulos”. E eu perguntei-lhe: “E o que fazes, quando tens esses escrúpulos?”. “Vou diante do sacrário, olho para o Senhor e digo-lhe: Senhor, perdoai-me, hoje perdoei muito, mas que fique bem claro que a culpa é toda vossa, porque fostes Vós a dar-me o mau exemplo!"
Por isso o Santo Padre, neste sentido, também decidiu, nesta carta [a monsenhor Rino Fisichella sobre o Jubileu da Misericórdia] propor o perdão às situações mais difíceis e agora mesmo publicou estas cartas [de “motu proprio”, iniciativas do Papa que têm normalmente a forma de decreto] que aceleram os processos de nulidade. Isto também tem a ver com o Jubileu?
Sim, simplificar... Facilitar a fé às pessoas. E que a Igreja seja mãe...
A razão destas cartas “motu proprio” para a nulidade qual é, exactamente, é agilizar?
Agilizar, agilizar os processos nas mãos do bispo. Um juiz, um defensor do vínculo, só uma sentença, porque até agora havia duas sentenças. Não, agora, é só uma. Se não houver apelo, já está. Se houver apelo, vai para o metropolita, mas agilizar. E também a gratuidade dos processos.
O Santo Padre fez isto a pensar também no Sínodo e no Jubileu?
Está tudo relacionado.
Já sei que não quer falar do Sínodo, mas, no seu coração de pastor universal, o que pede?
Peço que rezem muito. Sobre o Sínodo, vocês os jornalistas, já conhecem o “Instrumentum Laboris”. Vai-se falar disso, do que lá está. São três semanas, um tema, um capítulo, para cada semana. E esperam-se muitas coisas, porque, evidentemente, a família está em crise. Os jovens não se casam. Não se casam. Ou então, com esta cultura do provisório, dizem “ou vivo junto ou me caso, mas só enquanto dura o amor, depois, tchau...”
E que diz a quem vive uma moral contrária à indicação da Igreja e que tem esta ansiedade de perdão?
Lá no Sínodo vai-se falar de todas as possibilidades de ajudar estas famílias. Que uma coisa fique clara – e que o Papa Bento o deixou bem esclarecido: as pessoas que vivem uma segunda união não estão excomungadas e têm de ser integradas na vida da Igreja. Isso ficou claríssimo. E eu, no outro dia na catequese, também o disse claramente: aproximar-se da missa, da catequese, na educação dos filhos, nas obras de caridade... há mil coisas, não é?
Santidade, gostaria de terminar com perguntas sobre a sua vocação. No início de Março de 2013, preparava-se para ir para a “reforma”. Já tinha decidido onde ia ficar a viver, etc.. No entanto, tornou-se um dos homens mais famosos a nível mundial. Como vive esta circunstância?
Não perdi a paz. É um dom... a paz é um dom de Deus. É um dom que Deus me deu, algo que eu não imaginava, pela idade que tenho e por tudo isso. E, mais ainda, eu até já tinha previsto o meu regresso, pensando que nenhum Papa seria escolhido na Semana Santa. Então, se demorássemos a elegê-lo, teríamos de nos despachar até sábado, antes do Domingo de Ramos. E comprei um bilhete de regresso, para poder celebrar Missa no Domingo de Ramos e até deixei preparada, na minha escrivaninha, a homilia. Foi uma coisa que eu não esperava e, em Dezembro, deixaria o cargo para o qual ia ser nomeado um sucessor. Assim...
…há toda uma aventura, agora, à sua frente.
Tudo... mas não perdi a paz. Não perdi a paz.
O Papa Francisco é amado em todo o mundo, a sua popularidade cresce, como revelam as sondagens, e tantos querem vê-lo candidato ao prémio Nobel. Mas Jesus avisou os seus: ”Sereis odiados por causa do meu nome”. Como é que se sente, Santidade?
Muitas vezes me pergunto como será a minha cruz, como é a minha cruz... As cruzes existem. Não se vêem, mas estão lá. E também Jesus, num certo momento, foi muito popular e, depois, acabou como acabou. Ou seja, ninguém tem garantida a felicidade mundana. A única coisa que eu peço, é que me conserve a paz do coração e que me conserve na sua Graça, porque, até ao último momento, somos pecadores e podemos renegar a sua Graça. Consola-me uma coisa: que São Pedro cometeu um pecado muito grave – renegar Jesus – e, depois, fizeram-no Papa... Se com este pecado o fizeram Papa, com todos os que eu tenho, consolo-me, pois o Senhor cuidará de mim como cuidou de Pedro. Mas Pedro morreu crucificado, enquanto eu não sei como vou terminar. Que Ele decida, desde que me dê a paz, que Ele faça o que quiser.
Como é que vive a sua liberdade sendo Papa? Apareceu de surpresa numa missa em S. Pedro, de manhã cedo, foi ao oculista arranjar os óculos… Precisa do contacto com as pessoas?
Sim, tenho necessidade de sair, mas ainda não chegou a altura certa... mas, pouco a pouco, vou tendo contacto com as pessoas às quartas-feiras e isso ajuda-me muito. Sim, a única coisa que estranho em relação a Buenos Aires é sair a “callejear”, andar na rua.
E terminamos com umas perguntas rápidas: o que lhe tira o sono?
Posso dizer-lhe a verdade? Durmo como uma pedra! [risos]
E o que o faz correr?
Sempre que há muito trabalho.
O que nunca é urgente, que pode esperar?
O que não é urgente? As pequenas coisas que podem esperar até amanhã ou depois. Há coisas que são muito urgentes e outras que não são urgentes... mas não saberei dizer-lhe, em concreto, que isto é mais urgente do que aquilo.
Com que frequência se confessa?
Todos os 15 dias, 20 dias. Confesso-me a um padre franciscano, o padre Blanco, que tem a bondade de vir cá confessar-me. E nunca tive de chamar uma ambulância para o levar de regresso, assustado com os meus pecados! [risos]
Como e onde gostaria de morrer?
Onde Deus quiser. A sério... onde Deus quiser...
A última: como imagina a eternidade?
Quando era mais novo, imaginava-a muito aborrecida [risos]. Agora, penso que é um Mistério de encontro. É quase inimaginável, mas deve ser algo muito bonito e maravilhoso encontrar-se com o Senhor.
Obrigada, Santo Padre.
Obrigado eu, e uma grande saudação a todos os ouvintes desta rádio. E, por favor, peço-vos que rezem por mim. Que Deus vos abençoe e que a Virgem de Fátima vos proteja.


Entrevista a D. José Ornelas Carvalho, Bispo Eleito de Setúbal «Vamos fazer caminho juntos!»

D. José Ornelas Carvalho, Bispo Eleito de Setúbal, concedeu a sua primeira entrevista ao «Notícias de Setúbal», na véspera da sua partida para Roma com os outros prelados de Portugal, para a visita «Ad Limina» e para o encontro com o Santo Padre. É uma primeira oportunidade para, em discurso vivo e direto, conhecer os desafios, anseios e ideias do futuro bispo sadino para a Igreja que lhe será confiada, bem como lhe «apanhar» um pouco o sentir a propósito de alguns temas de atualidade.







Senhor Bispo, o que é que vai dizer ao Papa agora na visita Ad Limina?

Eu já lhe tinha dito: «Há uma visita ad limina, somos capazes de nos encontrar aqui, senão somos capazes de nos encontrar em Fátima»; e ele respondeu: «Bom, se ainda for vivo…». Ao Papa tenho de lhe agradecer sobretudo o apoio que me deu. O encontro com ele para mim foi o sentir realmente o que é ser bispo no seio da Igreja, o serviço que é pedido, o serviço que não é uma questão de saber se tu “queres ou não queres”, mas uma questão de saber que te é pedido e que tu fazes o melhor que sabes e podes, e isso o Papa realçou muito bem. E olhando para ele e para o seu modo de estar na Igreja, ele é um exemplo precisamente disso. Qualquer que seja o serviço que se tem na Igreja, a atitude é esta, a de acolher a palavra de Deus e pô-la ao serviço do Evangelho e do povo.

O Senhor Bispo estava em Roma aquando da transição entre o papa Bento e o Papa Francisco; como sentiu esta mudança, que deve ter sido particularmente intensa por lá?

Eu apanhei essa mudança numa visita à Congregação na América Latina. A primeira notícia veio de manhã, estava em Caracas, e o Superior dos Dehonianos de lá disse-me: “Sabes? O Papa renunciou!” Para mim fez-se como que uma luz, e disse “Graças a Deus”, não pela renúncia mas por aquilo que significa; de facto, o Papa Bento pôs em andamento uma maneira de pensar a Igreja – e para quem o conhecia, muito clara – e que veio dar a toda a estrutura da Igreja um outro sentido, que é precisamente o dizer que não é o Papa que está no centro, o Papa está ao serviço da Igreja. O que disse ele foi “eu acho que agora já não faço o serviço que é pedido para este lugar, e outro que venha para que a Igreja seja servida, para que a Igreja seja servida como deve ser”. Isto fez-nos tomar uma renovada consciência, e com realismo, daquilo que significam os serviços na Igreja, para que a Igreja seja servida e o Evangelho seja servido. Isso é o importante. Posso ser eu, pode ser outro, mas a maneira de organizar é para que a Igreja seja servida.

Como é que vê esta diferença de estilo do Papa, estas inovações na forma de estar?

Só como exemplo, duas facetas desse estilo: eu era Superior-Geral, e temos as nossas instâncias de encontro – que não têm nenhum poder sobre a vida religiosa, mas têm um papel enorme na organização, reflexão, etc – e há um Conselho Executivo que foi pedir uma audiência ao Papa. Normalmente o Papa tem os seus tempos bem estabelecidos – uma hora, três quartos de hora… Pediram-lhe audiência e ele responde: «Não, sou eu que convido! Eu preciso de estar convosco, os representantes da vida religiosa, dos padres e as irmãs. Sou eu que convido!» «Então e quanto tempo, Santo Padre?» «Venham de manhã e vamos falando!» Veio estar connosco a meio da manhã, tomou café, e foi estando assim. Este estar no meio do povo, este dizer que quer padres com cheiro ao rebanho, é uma atitude dele, sempre foi. O serviço dentro da Igreja, seja ele qual for, a que nível seja, não é para criar distâncias, é para criar um tipo de proximidade que é diferente, que faz perceber a comunhão, que faz perceber a presença mesma de Cristo no meio dos Seus.

Eu estive com ele duas vezes. Quando se está com ele, parece que ele não tem mais nada que fazer! Da última vez, dois dias antes de ele viajar para a América latina, eu sabia que ele tinha muitas coisas para preparar, imagino, mas ele recebeu-me não olhando para o relógio nem nada disso! Este estar disponível para a pessoa é aquilo que caracteriza o serviço do Evangelho: eu estou cá para servir as pessoas, não para fazer um papel bonito. Esta atitude de sair das suas preocupações para assumir as preocupações dos outros é o início do caminho do Evangelho. Para mim tudo decorre daí, porque depois as opções que ele toma, sem querer saber se são populares ou não são populares, estão a resolver os problemas da Igreja e das pessoas. E essa deve ser a nossa atitude.

«Sinto-me muito acolhido»

Que reações tem tido dos outros bispos de Portugal à sua nomeação?

Também foi outra coisa que disse ao Papa: «Se é para ser bispo, não me desagrada nada a Diocese de Setúbal». É uma diocese jovem, que está a construir-se e que tem bons inícios. Os bispos que a serviram até agora deram um testemunho, na Diocese e no contexto da Igreja portuguesa, muito significativo, e eu penso que isto é muito importante. E neste contexto da Conferência Episcopal sinto-me muito acolhido: as mensagens que me chegaram de praticamente a totalidade dos bispos são muito cordiais e muito fraternas. Chegarmos e aprendermos com os irmãos mais velhos e senti-los acolhedores de quem chega é muito importante, porque vou precisar. Há um ano e tal preguei um retiro aos bispos e há um ambiente de fraternidade. Com muitos deles tenho já uma relação de amizade antiga, alguns até já foram estudantes comigo na Universidade Católica. Vejo com muita simpatia que é uma Conferência que não é unânime nem tem que ser unânime – eu tenho medo de unanimidades apressadas – mas é uma Conferência que busca unidade dentro da atuação pastoral, e isso acho que é muito importante para o conjunto da Igreja portuguesa e para a missão da Igreja neste país.

E como é que foi a reação da sua própria família?

A família já há muito tempo que ouvia «vozes» deste género… Eu dizia: «Deixa falar, porque os que falam não sabem e os que sabem não falam». Somos oito irmãos, cinco irmãos e três irmãs e, graças a Deus, é uma alegria e uma festa quando estamos juntos; reagiram com uma certa satisfação e preocupação ao mesmo tempo, como é natural. Sinto-os muito perto. A minha família sempre teve muito bom senso, no sentido de um apoio muito claro mas ao mesmo tempo muito discreto. Os meus pais sempre nos habituaram a isso: cada um de nós tem a sua missão e por isso deve ser livre de lhe pegar. O meu irmão mais velho é padre na Diocese do Funchal e foi sempre para os irmãos todos, mas para mim particularmente, uma fonte de inspiração: já quando entrei no Seminário foi de respeito pela minha opção; depois quando entrei para a Congregação dos Dehonianos – porque queria ser missionário – tive todo o apoio dele. Sentimo-nos bem como irmãos mas ao mesmo tempo totalmente livres. Temos todos opções diferentes mas isso não obstacula a que tenhamos todos uma alegria de estar juntos muito grande.

Do que escreveu à Diocese pudemos ler que entra sem programa; contudo certamente que tem alguns anseios e algumas preocupações pastorais mais imediatas. O Senhor Bispo vai entrar com a Imagem Peregrina de Nª Sª Fátima na Diocese, e entra também às portas do Jubileu da Misericórdia, à saída do ano da Vida Religiosa e do Sínodo da Família. O que é que estes temas, tudo isto, lhe traz já como desafio para colocar á Diocese?

Traz muito de desafio, mas sobretudo muito de busca. Tudo isso tem tido um lugar muito importante na minha reflexão nos últimos dias. Quando o senhor D. Gilberto me disse que também chegava a Imagem Peregrina eu quase que pensei: mas que confusão que vai ser meter isto tudo junto! Mas depois pensei: não, isto é um sinal muito interessante!

Estes doze anos que vivi na Congregação em Roma foram doze anos de uma evolução muito grande na Europa e no mundo: quando eu comecei, 65 por cento dos Dehonianos estavam na Europa, agora são à volta de quarenta, e a diminuir; na África e na Ásia, pelo contrário, estão a subir. Isto é só um sinal de uma Igreja que está a mudar radicalmente. Assumir este sinal da Virgem Maria que peregrina na Igreja parece-me para já uma primeira chave, de uma Igreja que se põe a caminho. Não é para dizer que agora é que vamos redescobrir a Igreja, não! Mas os tempos mudaram, e o modo de estar da Igreja tem de ser diferente.

Quando digo que não trago programas é porque não posso fazer programas em Roma para a Diocese de Setúbal. Não dá para chegar aqui e aplicar um manual ou qualquer coisa assim. É um caminho que a Igreja de Setúbal tem de fazer e vamos fazê-lo juntos! Vamos fazê-lo com as comunidades, com os diáconos e com os presbíteros, com os catequistas, com os responsáveis sociais, etc. Vamos procurar, porque é isso que Deus pede à Sua Igreja, que tenha olhos abertos e ouvidos atentos, para escutar a Palavra de Deus e olhar as necessidades do lugar onde se encontra. Isto é o que nos pede o Concílio: que sejamos capazes de ler os sinais dos tempos, de fermentar esta observação com a Palavra de Deus e de encontrar caminhos – caminhos, mais do que soluções – para peregrinar. Acho que é isso que a imagem de Maria Peregrina, a imagem da Visitação nos mostra: recebe um anúncio extraordinário, que vai ser a Mãe do Salvador, mas não ficou preocupada com o seu «caso» porque há o «caso» de uma sua parente que precisa da ajuda dela; e vai colaborar com ela e ajudá-la. Esta é a imagem da Igreja sempre: de uma Igreja que se visita e visita cada um dos seus membros à procura de caminhos de comunhão, de celebração e de criar novas realidades.

Quanto ao ano da Misericórdia… Ainda esta manhã estava a ver as notícias deste menino abandonado na praia, morto… fechamos os olhos ou isto diz-nos realmente alguma coisa? Como este menino nós temos tantos meninos e tantos anciãos e tantos jovens que estão assim na praia, nas praias da humanidade, sem conselho e sem esperança. Se o nosso coração não bate diferente perante esta realidade alguma coisa vai mal.

A misericórdia é também paciência connosco próprios, a misericórdia de reconciliação entre os povos, entre tendências… Não significa criar simplesmente unanimidades, significa na diversidade criar unidade, porque só assim a riqueza se pode multiplicar, a riqueza do mundo, das ideias, das sensibilidades. Este caminho da Misericórdia é que foi, e há de ser sempre o caminho da Igreja. Nesse sentido, uma das coisas que o Papa disse que era importante manter e desenvolver era a sensibilidade da Diocese no campo social. É aquilo que sempre me ficou como descritivo de Setúbal: a sensibilidade social.

A Misericórdia é uma Misericórdia ativa, pelo que se alarga para além das próprias fronteiras da paróquia, da Diocese, das instituições, para encontrar parcerias. O que está em causa não é a beleza das nossas instituições mas as pessoas que precisam, pelo que vamos encontrar parcerias com tanta gente: com as autoridades constituídas, com outras organizações… além disso, há a necessidade de perguntar o que é que nós levamos de especifico, o sentido de tudo isto. O Papa disse: «Nós não somos uma ONG, somos mais do que isso». Pretendemos dar e apresentar uma proposta de vida que vai para além do discurso elementar de dar pão e capacidade económica às pessoas, é muito mais que isso: é dar a dignidade e a esperança a um nível diferente, e isso é o que nos traz o Evangelho.

Sínodo da Família: desafios?

Muitos! E desafios com uma agenda que não está ainda escrita! Nós temos as dificuldades e as aporias que nos traz o mundo de hoje, a tecnologia, as possibilidades que temos, a abertura e a libertação de preconceitos, etc, etc… Abriram-se as portas, mas qual é realmente o caminho que leva a uma constituição equilibrada da sociedade, da Igreja? Isto é muito mais importante que uma questão sobre se a Igreja permite ou não isto ou aquilo: é aquilo que a humanidade hoje, nesta volta da História que acontece, o que é preciso para se construir uma humanidade com justiça, com equidade, mas ao mesmo tempo com dignidade e sabedoria para o futuro? É simplesmente deixado a cada um o como se faz? O que significa verdadeiramente uma humanidade feliz e equilibrada para o futuro?
Muito disto passa pela família. Tal como ressalta bem na Encíclica do Papa sobre a Ecologia, a família não se entende só como família, mas está ligada á sociedade, à própria realização de cada pessoa dentro de um contexto familiar, ao fazer crescer dentro de um ambiente de carinho, de amor, de atenção, que não é simplesmente a questão de programas escolares ou meios económicos, mas antes de mais de se sentir pessoa, de se sentir estimado e estimulado para se tornar uma pessoa livre e criativa. E então quais são as condições necessárias para isso?

Dentro da Igreja nós temos uma tradição, e ás vezes essa tradição – e o Papa é o primeiro a dizer – não está bem equacionada porque os tempos mudaram e as respostas que temos de dar são outras. Não tenho de mudar os princípios, mas mudam as expressões deles porque a situação das pessoas é diferente hoje. Como é que vamos responder a isto?

O facto de a Igreja se ter interrogado e o próprio facto de o Sínodo ser feito em dois tempos já significa uma metodologia muito diferente. O facto de se ter interrogado o povo de Deus, a Igreja toda, para levar ao Sínodo não apenas o eco das pessoas que lá estavam mas o pensar da Igreja também esse é um caminho diferente. Com estes pressupostos, talvez este Sínodo não chegue a equações brilhantes, mas se abre o caminho para uma metodologia diferente de tratar os assuntos importantes na Igreja então vale a pena.

«Resposta da Europa tem sido egoísta»

Já o referiu há pouco, mas é a questão da atualidade, a crise dos refugiados: estamos no Sul da Europa, na linha da frente. Como é que vê o papel da Igreja, o de nos envolvermos na resposta?

Nestes dias os jornais têm sido muito claros, e creio que pela primeira vez também os políticos (nem que seja só por cálculo político): não podemos continuar a raciocinar como até agora. Fala-se da pior crise humanitária desde a II Guerra Mundial; ora, na II Guerra Mundial, sobretudo para o fim, quando a Europa se deu conta de como estava, mobilizou meios humanos, financeiros e políticos para se resolver o problema das pessoas.

Até este momento, a resposta da Europa e de cada país, seja à crise económica seja aos refugiados, tem sido muito egoísta, devemos dizer! Até certo ponto, também assim com o nosso país: como já estamos assoberbados com a crise, como é que agora vamos ligar? A Grécia, em situação económica pior que a nossa, também está na linha da frente do problema dos refugiados, e nós queremos exigir que sejam eles a tratar dos refugiados e fiquem lá com eles? Não pode ser. Os políticos fazem normalmente as contas pelos votos que as decisões dão, mas há aqui a necessidade de fazer alguma coisa.

Do ponto de vista da Igreja – não só o Papa, cuja voz se ouve – o que a Igreja faz nesta Europa, em termos de assistência direta, de assistência na linha do pensar e do agir, é muito importante, inclusivamente aqui em Portugal.
O bem que fizermos a estes refugiados deve ser bem organizado, porque obviamente há perigos em tudo isto, e a verdadeira caridade deve ser feita com inteligência e com organização. Se isto não for feito assim, estas pessoas não vão ser realmente acolhidas. A Igreja, como tem estado na linha da frente da resposta á crise a nível interno, vai estar também na linha da frente para acolher e dar apoio a estas pessoas, que precisam e estão numa situação desesperada.

Isto é um desafio para nós todos, temos de aprender e ser criativos, e cada país tem de responder a seu modo. Nós também temos o nosso modo, e já respondemos no passado: os refugiados da Bósnia que estiveram cá, as emigrações dos países do Leste, tivemos capacidade de acolher sem criar tensões os africanos que estão na nossa sociedade. É natural que haja tensões, fenómenos de rejeição e discriminação, mas na globalidade tem havido capacidade de integração a nível do tecido social. Mas isto não pode ser deixado simplesmente à espontaneidade, que é tantas vezes o nosso defeito. Estas pessoas para serem integradas têm de aprender a língua, e vão ser um contributo muito interessante para a nossa sociedade.

Os países da América do Norte e do Sul são países de imigração, essa é a riqueza deles, e acolheram gente muito interessante e gente com iniciativa. O mesmo aconteceu com os nossos emigrantes: estas pessoas já desesperadas deitaram mão do que puderam em busca de um futuro para si e para as suas famílias; estas pessoas são as mais capazes da sociedade, são aqueles que tiveram iniciativa de partir, para se inculturar, para trabalhar para os seus. É o que estão a fazer estes agora, e são pessoas muito válidas. Há outros fenómenos com os quais tem de se ter cuidado? Há, mas não podemos vê-los apenas como um peso que temos de suportar mas como uma oportunidade de abertura e enriquecimento para eles e para nós. Primeiro porque eles precisam, e quem dá acaba por receber. Se formos capazes de acolher os diferentes, vamos ter também maior capacidade de nos acolhermos uns aos outros.

«Jovens têm de ser protagonistas do caminho da Diocese»

Entra também no ano imediato de preparação para as JMJ de Cracóvia. Que é que, desde já, gostava de dizer aos jovens da sua Diocese?

Em primeiro lugar, é uma alegria contar com eles, e sei que há movimentos juvenis interessantes, a começar pelos escuteiros. Setúbal é uma Diocese que, pelo seu modo de estar, tem de apostar e tem de trabalhar com os jovens, não simplesmente como destinatários mas como protagonistas do caminho da própria Diocese. Nos meus anos na Congregação, em Roma, uma das preocupações fundamentais foi sempre a da juventude, e por uma razão muito simples, que não é moda nem coisa nenhuma: trata-se da realidade mesma de uma sociedade e do Evangelho. O Evangelho precisa de criatividade, neste tempo que estamos a viver de mudanças velozes, radicais e profundas; cada meia década estamos a mudar completamente, e os jovens são aqueles que mais sofrem, que mais são atingidos por esta realidade, fascinados ou vítimas, mas são também aqueles que são capazes de descobrir melhor as oportunidades que isto nos dá e que, mais do que nós até, podem sentir-se perdidos no meio desta evolução: porque lhes faltam os pontos de referência do passado, que têm os adultos, e porque não têm ainda a consistência própria para dar força ao mundo novo que está a nascer.

Na Igreja é igual! Uma Igreja que não tem jovens é uma Igreja que claramente está em extinção. Tal como a sociedade, com os problemas da natalidade… Mas a «Natalidade da Fé» também deve ser sublinhada: nós queremos ser uma Igreja-mãe, e uma mãe que é fecunda vela particularmente pelos filhos pequenos. Uma mãe sem filhos é uma mãe estéril, triste, e nós queremos uma Igreja que acarinha, que dá possibilidade. E dá possibilidade por que também lhes dá voz e é capaz de escutar as suas reivindicações, às vezes incómodas, mas que são precisas.
Passará por ai também um maior incremento na Pastoral Vocacional?

É daí que vem, porque se não há jovens na comunidade dificilmente vamos ter vocações. É preciso ter uma comunidade que responda aos jovens, e que eles próprios sejam protagonistas na constituição da comunidade; depois é a partir daí que também podem chegar as outras interrogações, sobre o que é que Deus quer de mim na vida, de uma vida já dada a Deus, consagrada a Deus para o serviço da comunidade e dos irmãos, particularmente os mais necessitados. Ele vai falar nisto a alguns jovens certamente, porque sempre desde os tempos de Jesus não deixou de falar, e também na nossa Diocese vai continuar a falar ao coração dos jovens.

Como vê o papel dos movimentos eclesiais na Nova Evangelização e particularmente nesta missão para a nossa Europa?

Os movimentos na Igreja têm um papel muito interessante. Nas Igrejas mais jovens os movimentos não têm uma importância tão grande, ou se têm estão inseridos dentro da comunidade porque a comunidade vive muito mais comunitariamente (passe o pleonasmo) do que por cá. As nossas Igrejas tornaram-se por vezes em «supermercados de serviços religiosos»: cada um vai lá aviar-se, e depois vai para sua casa. Uma dinâmica comunitária, de conhecimento mútuo, de interajuda, de partilha de fé e das necessidades de cada um tantas vezes nos passa ao lado! A dinâmica da fé gera a comunidade. Os movimentos respondem, antes de mais, a isto: a pessoa não vai à Igreja só para ouvir o padre falar, mas precisa de exprimir e comunicar, de partilhar e receber sobre a fé e também raciocinar sobre os seus problemas e receber a formação adequada para isso. Num movimento a pessoa tem um nome, tem voz, escuta e também pode ser escutada, porque são grupos mais pequenos. Onde a comunidade responde a isto não há tanta necessidade dos movimentos e, por isso é particularmente na Europa e na América do Norte que os movimentos são mais fortes, porque respondem a esta necessidade do processo de humanização da fé, e não há mal nisso! Se esses movimentos se integram dentro da comunidade, se não fazem uma «Igreja paralela», vão ser uma resposta á comunidade, não para a dividir mas para trazer a riqueza dos diversos aspetos e carismas de cada um deles ao serviço da própria comunidade. Então faz sentido, no modo daquilo que o Papa tem dito aos movimentos: inserir-se na comunidade, porque não há igrejas paralelas, há uma Igreja; mas essa Igreja beneficia dos movimentos na medida em que cada um traz uma atenção especial, uma focalização da fé num campo, seja para a espiritualidade pessoal, seja para o desígnio apostólico da missão. Os movimentos, além disso, ajudam a missão porque não estão ligados simplesmente à Igreja paroquial, e podem entrar mais facilmente no tecido social; além disso, podem ser uma comunhão interessante inter-paroquial ou inter-diocesana, porque passam por cima desses limites. Isto é interessante se não virmos isto como uma questão de poder, mas se virmos como um serviço, porque traz experiências, enriquece as comunidades, seja a paróquia, seja a diocese.

Como é que vê a relação entre o desejo de uma Igreja Missionária e a relação com as autoridades constituídas no território, e que também têm o seu campo de ação?

Uma relação de grande abertura e de grande independência mútua e respeito. Não é para dizer, como tantas vezes se ouve – numa interpretação completamente errada de «dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus», em que os políticos tratam de César e a Igreja trata de Deus – «estejam lá quietinhos que nós também não nos metemos nos negócios da Igreja», num respeito separado. Não é isso: a Polis - cidade, e a Polis – Fé ligam-se porque o seu objeto fundamental são as outras pessoas; sem elas não existe nem a Polis, nem a Igreja. A Igreja não se quer substituir à Polis, mas está inserida nela, no mundo. Tudo aquilo que uma pessoa faz tem sempre uma dimensão política, no sentido nobre, no sentido de construir a cidade humana, a nossa Casa Comum, como lhe chama o Papa.

Aqueles que o povo escolheu como seus representantes e para cuidarem dele merecem-me todo o respeito, toda a cordialidade, independentemente da cor do partido que os indica e que hoje está no poder. Colaborarei com qualquer que seja, porque foram aqueles que o povo elegeu. Claro que pessoalmente eu tenho opções, e tenho as orientações da Igreja.

Se virmos as coisas como uma mera questão de poder, claro que há problema, mas se as virmos na dimensão de serviço… Jesus nunca fez distinções dessas: até foi amigo de um centurião romano, cujo servo precisava de ajuda, e não impôs condições para isso. É a este nível que nós nos situamos, o do serviço das pessoas, e a este nível nós temos de colaborar com quem quer que seja, de outros credos, religiões, dos mais diversos carizes políticos. Graças a Deus tenho amigos em todo o leque político, e nunca isso foi impedimento. Aos meus amigos eu não peço que sejam da minha opinião; peço que sejam amigos e que sejamos livres de pensar cada um. Nada disso impede que eu retire nada daquilo que tenho de afirmar e devo afirmar. O Evangelho não é para dividir aos bocados, mas não impede a colaboração no que há para colaborar.

Não faço um favor a ninguém se não sou coerente com os meus princípio só para agradar a determinado indivíduo. A Igreja, o que faz, não é para ganhar votos, nem deve ser. E quando se puser nessa posição aí sim, começam a gerar-se conflitos. Sempre que for livre, será livre também profeticamente de emitir as suas opiniões e de, com a lógica da fé, propor um modelo de sociedade, não impondo-o pela razão do poder mas pela razão da razão do Evangelho.


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Nota Biográfica

D. José Ornelas Carvalho, filho de António Tomás Carvalho e Benvinda de Ornelas, nasceu a 5 de Janeiro de 1954, no Porto da Cruz, Madeira.

Foi aluno do Seminário Menor Diocesano do Funchal, entre 1964 e 1967. Desejando ser missionário, pediu para ingressar no Colégio Missionário da Congregação dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos) no Funchal (1967-1969) prosseguindo depois os estudos no Instituto Missionário, em Coimbra (1969-1971).

Depois de um ano de noviciado, emitiu a primeira profissão religiosa em Aveiro, a 29-09-1972. Após dois anos de estudos filosóficos, passou dois anos nas missões da Congregação em Moçambique (1974-1976) regressando, em seguida, a Lisboa, onde concluiu a Licenciatura em Teologia, na Universidade Católica Portuguesa (1979).

Especializou-se em Ciências Bíblicas, em Roma e Jerusalém, concluindo com a Licenciatura Canónica no Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Foi ordenado Presbítero na sua terra natal, Porto da Cruz, a 09-08-1981.

Regressado a Portugal, em 1983, foi docente assistente e secretário da Faculdade de Teologia de Lisboa, atividade que interrompeu para preparar o doutoramento em Roma e na Alemanha (1992-1996) tendo obtido o grau de doutor em Teologia Bíblica pela Universidade Católica Portuguesa a 14- 07-1997. Na mesma universidade, retomou as atividades docentes até 2003.

Na sua Congregação, foi formador no Seminário de Alfragide, em paralelo com a atividade docente e assumiu outros cargos no âmbito da Província Portuguesa dos Dehonianos, da qual se tornou Superior Provincial a 1 de Julho de 2000. No Capítulo Geral da Congregação, foi eleito Superior Geral dos Dehonianos a 27-05-2003, cargo que ocupou até 06-06-2015.

Em 24 de Agosto de 2015 é nomeado III Bispo de Setúbal por Sua Santidade o Papa Francisco, Bispo da Diocese de Setúbal, sucedendo a D. Gilberto Délio Gonçalves Canavarro dos Reis.