ENTREVISTA EXCLUSIVA
Em entrevista exclusiva
à Renascença, o Papa diz que as pessoas estão desiludidas com a "corrupção
a todos os níveis". Acredita que o "grande desafio da Europa é voltar
a ser a mãe Europa" e apela ao acolhimento dos refugiados. Pede que a
catequese "não seja teórica" e que a Igreja saia de si mesma.
Acredita que Fátima faz de Portugal um país "privilegiado" e faz uma
revelação: "Nunca conheci um português mau."
Para um Papa que vem do “fim do mundo”, como olha para Portugal e para os
portugueses?
Em Portugal, só estive
uma vez no aeroporto, há anos, quando vinha para Roma, num avião da Varig que
fazia escala em Lisboa, por isso, só conheço o aeroporto. Mas conheço muitos
portugueses. E, no Seminário de Buenos Aires, havia muitos empregados,
emigrantes portugueses, gente boa, que tinha muita familiaridade com os
seminaristas. E o meu pai tinha um colega de trabalho português. Lembro-me do
seu nome, Adelino, bom homem. E uma vez conheci uma senhora portuguesa, com
mais de 80 anos, que me deixou boa impressão. Quer dizer, nunca conheci um
português mau.
No seu discurso aos bispos portugueses, além de elogiar o povo português e
olhar para a Igreja com serenidade, o Santo Padre manifesta duas preocupações:
uma em relação aos jovens e outra em relação à catequese. O Santo Padre usa uma
imagem, dizendo que “os vestidos da primeira comunhão já não servem aos
jovens”, mas que há “certas comunidades que insistem em vestir-lhos”. Qual é o problema?
É uma maneira de dizer.
Os jovens são mais informais e têm o seu próprio ritmo. Temos de deixar que o
jovem cresça, temos de o acompanhar, não o deixar sozinho, mas acompanhá-lo. E
saber acompanhá-lo com prudência, saber falar no momento oportuno, saber
escutar muito. Um jovem é inquieto. Não quer que o incomodem e, nesse sentido,
pode-se dizer que “o vestido da primeira comunhão não lhes serve”. As crianças,
pelo contrário, quando vão comungar, gostam do vestido da primeira comunhão. É
uma ilusão. Os jovens têm outras ilusões que, muitas vezes, são muito boas, mas
há que respeitar, porque eles mesmos não se entendem, porque estão a mudar,
estão a crescer, estão à procura, não é? Por isso, é preciso deixar o jovem
crescer, há que o acompanhar, respeitar e falar-lhe muito paternalmente.
Porque, ao mesmo tempo, há uma exigência a propor, mas essa exigência,
muitas vezes, não é atractiva!
Por isso, há que
procurar aquilo que atrai um jovem e exigir-lho. Por exemplo, um caso concreto:
se você propõe a um jovem – e vemos isto por todo o lado – fazer uma
caminhada, um acampamento ou fazer missão para outro sítio, ou por vezes ir a
um “cotolengo” [obra fundada por sacerdote italiano de acolhimento de doentes
com grave deficiência múltiplas, abandonadas pelas famílias e em situação
de risco] para cuidar dos doentes, durante uma semana ou quinze dias,
entusiasma-se porque quer fazer algo pelos outros. Está envolvido.
“Involucrado”?
Sim, fica por dentro,
compromete-se. Não olha a partir de fora. Envolve-se, ou seja, compromete-se.
Então, porque é que não fica?
Porque está a caminhar.
E qual é o desafio que a Igreja, então, deve enfrentar? O Santo Padre
também falou de uma catequese, que muitas vezes permanece teórica e onde falta
esta capacidade de propor o encontro…
Pois é importante que a
catequese não seja puramente teórica. Isso não serve. A catequese é dar-lhes
doutrina para a vida e, portanto, tem de incluir três linguagens, três idiomas:
o idioma da cabeça, o idioma do coração e o idioma das mãos. E a catequese deve
entrar nesses três idiomas: que o jovem pense e saiba qual é a fé, mas que, por
sua vez, sinta com o seu coração o que é a fé e, por sua vez, faça coisas. Se
falta à catequese uma destas três línguas, destes três idiomas, não avança.
Três linguagens: pensar o que se sente e o que se faz, sentir o que se pensa e
o que se faz, fazer o que se sente e o que se pensa.
Escutando vossa Santidade, isto parece óbvio, mas, olhando à volta –
sobretudo na velha Europa, na velha cristandade – não é assim. O que é que
falta? Mudar a mentalidade? Como se faz?
Mudar a mentalidade, não
sei, porque não conheço tudo, não é? Mas é verdade que, a metodologia
catequética, às vezes, não é completa. Há que procurar uma metodologia da
catequese que junte as três coisas: as verdades que se devem crer, o que se
deve sentir e o que se faz, o que se deve fazer, tudo junto.
Santidade, para o centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima, nós
esperamos por si em Portugal. Três Papas já nos visitaram (João Paulo II por três
vezes). O Senhor, que ama muito a Virgem, o que espera da sua visita em 2017?
Bom, vamos lá esclarecer
as coisas. Eu tenho vontade de ir a Portugal para o centenário. Em 2017 também
se cumprem 300 anos do encontro da Imagem da Virgem de Aparecida.
…. uma data estereofónica, em dois lados! (risos)
... por isso, também
estou com vontade de lá ir e já prometi lá ir. Quanto a Portugal, disse
que tenho vontade de ir e gostaria de ir. É mais fácil ir a Portugal, porque
podemos ir e voltar num só dia, um dia inteiro, ou, quanto muito, ir um dia e
meio ou dois dias. Ir ter com a Virgem. A Virgem é mãe, é muito mãe, e a sua
presença acompanha o povo de Deus. Por isso, gostaria de ir a Portugal, que é
privilegiado.
E o que espera de nós, portugueses? Como podemos preparar-nos para o
receber e também para seguir os pedidos de Nossa Senhora?
O que a Virgem pede
sempre é que rezemos, que cuidemos da família e dos mandamentos. Não pede
coisas estranhas. Pede que rezemos pelos que andam desorientados, pelos que se
dizem pecadores – todos o somos, eu sou o primeiro. Mas a Virgem pede e há que
se preparar através desses pedidos da Virgem, através dessas mensagens tão
maternais, tão maternais... e manifestando-se às crianças. É curioso, Ela
procura sempre almas muito simples, não é? Muito simples.
Esta entrevista acontece em plena crise dos refugiados. Santo Padre, como
está a viver esta situação?
É a ponta de um
icebergue. Vemos estes refugiados, esta pobre gente que escapa da guerra, que
escapa da fome, mas essa é a ponta do icebergue. Porque debaixo dele, está a
causa. E a causa é um sistema socioeconómico mau e injusto, porque dentro
de um sistema económico (dentro do mundo, falando do problema
ecológico, da sociedade socioeconómica, da política) o centro tem de
ser sempre a pessoa. E o sistema económico dominante, hoje em dia, descentrou a
pessoa, colocando no centro o deus dinheiro, que é o ídolo da moda. Ou seja, há
estatísticas, não me recordo bem (isto não é exacto e posso equivocar-me), mas
17% da população mundial detém 80% das riquezas.
E esta exploração das riquezas dos países mais pobres, a médio prazo traz
esta consequência: a de estes todos que agora querem vir para a Europa…
E o mesmo acontece nas
grandes cidades. Por que surgem as favelas nas grandes cidades?
O critério é o mesmo…
É o mesmo; é gente que
vem do campo, porque o desflorestaram, porque fizeram monocultivo, não têm
trabalho e vão para as grandes cidades.
Em África, também é igual…
Em África... ou seja, é
o mesmo fenómeno. Então, esta gente emigrada que vem para a Europa – é a mesma
coisa – à procura de um sítio. E, claro, para a Europa neste momento, é uma
surpresa, porque até custa a crer que isto esteja a acontecer, não é? Mas
acontece.
Mas o Santo Padre, quando foi a Estrasburgo, disse que era “necessário
actuar sobre as causas e não apenas sobre os efeitos”. Mas parece que ninguém
ouviu e, agora, os efeitos estão à vista…
Temos de ir às causas.
E ninguém o ouviu, muito provavelmente…
Onde as causas são a
fome, há que criar fontes de trabalho, investimentos. Onde a causa é a guerra,
procurar a paz, trabalhar pela paz. Hoje em dia, o mundo está em guerra contra
si mesmo, ou seja, o mundo está em guerra, como digo, uma guerra em folhetins,
aos pedaços, mas também está em guerra contra a Terra, porque está a destruir a
Terra, ou seja, a nossa casa comum, o ambiente. Os glaciares estão a
derreter-se, no Árctico, o urso branco vai cada vez mais para o norte para
poder sobreviver.
E a preocupação pelo homem e pelo seu destino, parece ignorada. Como vê a
reacção da Europa à vaga de refugiados? Uns constroem muros, outros escolhem os
refugiados consoante a sua religião, outros aproveitam esta situação para fazer
discursos populistas.
Cada um faz uma
interpretação da sua cultura. E, por vezes, a interpretação ideológica, ou das
ideias, é mais fácil do que fazer as coisas, que é a realidade. Mais longe da
Europa, há um outro fenómeno que também me doeu muito: os “rohingya” [grupo
étnico muçulmano, provavelmente, com origem na antiga Birmânia. Marginalizados
por razões étnicas e religiosas, foram apontados pela ONU como uma das minorias
mais perseguidas do mundo], que foram expulsos do seu país e que entram num
barco e partem. Chegam a um porto ou a uma praia, dão-lhes água, dão-lhes de
comer e depois, mandam-nos outra vez para o mar e não os acolhem. Ou seja,
falta a capacidade de acolhimento da humanidade.
Porque não é tolerar; é mais do que tolerância: é acolhimento.
Acolher, acolher as
pessoas, e acolher tal como vêm. Eu sou filho de emigrantes e pertenço à onda
migrante do ano 1929. Mas na Argentina, desde o ano 1884, começaram a chegar
italianos, espanhóis... portugueses, não sei quando chegou a primeira onda
portuguesa; vinham sobretudo destes três países. E quando chegavam lá, alguns
tinham dinheiro, outros iam para o hotel de emigrantes e daí eram enviados para
as cidades. Iam trabalhar ou procurar trabalho. É verdade que, naquela época,
havia trabalho, mas, os da minha família – que tinham trabalho quando chegaram,
em 29 –, no ano 32, com a crise económica de 30, ficaram na rua, sem nada. O
meu avô comprou um armazém com dois mil pesos que lhe emprestaram e o meu pai,
que era contabilista, andava a fazer distribuição com a canasta; ou seja,
tinham vontade de lutar, de vencer... Eu sei o que é a migração! E depois,
vieram as migrações da Segunda Guerra, sobretudo do centro da Europa, muitos
polacos, eslovacos, croatas, eslovenos e também da Síria e do Líbano. E sempre
nos demos bem por lá. Na Argentina, não houve xenofobia. E agora, há migração
interna na América, vêm de outros países da América para a Argentina, apesar de
ter diminuído nos últimos anos, por falta de trabalho na Argentina.
E também do México para os Estados Unidos. Há todo um fenómeno…
O fenómeno migratório é
uma realidade. Mas eu queria abordar o tema, sem censurar ninguém. Quando há um
espaço vazio, a gente procura preenchê-lo. Se um país não tem filhos, vêm os
emigrantes ocupar o lugar. Penso no nível dos nascimentos de Itália, Portugal e
Espanha. Creio que é quase 0%. Então, se não há filhos, há espaços vazios. Ou
seja, o não querer ter filhos, em parte, – e isto é uma interpretação minha,
não sei se está correcta – é um pouco o resultado da cultura do bem-estar, não
é? Eu ouvi, dentro da minha própria família, cá, há uns anos, por parte dos
meus primos italianos dizer: “Não, crianças, não; preferimos viajar nas férias,
ou comprar uma ‘villa’, ou isto ou aquilo”... e os idosos vão ficando sozinhos.
Creio que o grande desafio da Europa é voltar a ser a mãe Europa...
E não a…
... a avó Europa.
Perdão, há países da Europa que são jovens, por exemplo, a Albânia. A Albânia
impressionou-me, gente com 40 anos, 45 anos... e a Bósnia-Herzegovina, ou seja,
países que se refizeram depois de uma guerra, não é?
Por isso, o Santo Padre os visitou…
Ah sim, claro. É um
sinal para a Europa.
Mas este desafio do acolhimento a estes refugiados que estão a entrar, na
sua perspectiva, pode ser muito positivo para a Europa? É um benefício, uma
provocação? Finalmente, de algum modo, a Europa pode despertar, mudar de rumo?
Pode ser. É verdade e
reconheço que, hoje em dia, as condições de segurança territorial não são as
mesmas de outra época porque, na verdade, temos, a 400 quilómetros da Sicília,
uma guerrilha terrorista sumamente cruel, não é? Então, existe o perigo da
infiltração, isso é verdade.
E que pode chegar até Roma.
Ah sim, ninguém
assegurou que Roma seja imune a isto, não é? Mas podem-se tomar precauções e
pôr toda a gente que vem a trabalhar. Mas também há outro problema, é que a
Europa atravessa uma crise laboral muito grande. Há um país, melhor, vou falar
de três países, mas que não vou nomear, dos mais importantes da Europa, em que
o desemprego juvenil dos jovens com menos de 25 anos, num país é de 40%, noutro
país é de 47% e noutro é de 50%. Há uma crise laboral, o jovem não encontra
trabalho. Ou seja, misturam-se muitas coisas. Nisto, não podemos ser
simplistas. Evidentemente, se chega um refugiado, com as medidas de segurança
de todo o tipo, há que recebê-lo, porque é um mandamento da Bíblia. Moisés
disse ao seu povo: “Recebei o forasteiro porque não esqueçais que vós fostes
forasteiros no Egipto”.
Mas o ideal era que eles não tivessem fugido, que ficassem nas suas terras,
não?
Isso, sim.
No Angelus de 6 de Setembro, lançou o desafio às paróquias para que acolham
refugiados. Já houve reacções? O que espera em concreto?
O que eu pedi foi isto:
que cada paróquia, cada instituto religioso, cada mosteiro, acolha uma família.
Uma família, não uma pessoa. Uma família dá mais segurança de contenção, um
pouco para evitar que haja infiltrações de outro tipo. Quando digo que uma
paróquia deve acolher uma família, não digo que tenham de ir viver para a casa
do padre, para a casa paroquial, mas que toda a comunidade paroquial veja se há
um lugar, um canto num colégio para aí se fazer um pequeno apartamento ou, na
pior das hipóteses, que arrendem um modesto apartamento para essa família; mas
que tenham um tecto, que sejam acolhidos e que se integrem na comunidade. Já
tive muitas reacções, muitas, muitas. Há conventos que estão quase vazios.
Há dois anos, o Santo Padre já fez esse apelo e que resultados é que houve?
Só quatro. Um deles, dos
jesuítas (risos); muito bem, os jesuítas! Mas o assunto é sério, porque aí
também há a tentação do deus dinheiro. Algumas congregações dizem “Não, agora
que o convento está vazio, vamos fazer um hotel e podemos receber pessoas e,
com isso, sustentamo-nos ou ganhamos dinheiro”. Pois bem, se quereis fazer
isso, pagai os impostos! Um colégio religioso, por ser religioso está isento de
impostos, mas se funciona como hotel, então, que pague os impostos como
qualquer vizinho do lado. Senão, o negócio não é limpo.
E o Santo Padre já disse que, aqui no Vaticano, acolhe duas famílias.
Sim, duas famílias. Já
me disseram ontem que as famílias já estavam localizadas e as duas paróquias do
Vaticano encarregaram-se de as procurar.
Já estão identificadas?
Sim, sim, sim, já estão.
Quem o fez foi o cardeal Comastri, que é o meu vigário-geral para o Vaticano,
juntamente com o encarregado da Esmolaria Apostólica, monsenhor Konrad
Krajewski, que trabalha com os sem-abrigo e foi quem fez os duches debaixo da
colunata, o serviço de barbearia – realmente, uma maravilha – é o que leva os
que vivem na rua a ver os museus e a Capela Sistina.
E estas famílias ficam até quando?
Até quando o Senhor
quiser. Não se sabe como isto vai acabar, não é? De todas as maneiras, quero
dizer que a Europa tomou consciência, e eu agradeço-lhe. Agradeço aos países da
Europa que tomaram consciência disto.
A Renascença aderiu em Portugal a uma iniciativa, que reúne instituições
cristãs e também de outras religiões, para acolher e movimentar-se a favor dos
refugiados. Pode dizer algumas palavras a quem participa nesta plataforma?
Felicito-vos e
agradeço-vos pelo que estão a fazer e dou-vos um conselho: no dia do Juízo
Final, já sabemos sobre o que vamos ser julgados, está escrito no capítulo 25
de São Mateus. Quando Jesus vos disser “Estive com fome, deste-me de comer?”,
vocês vão dizer “Sim. “E quando estive sem refúgio, como refugiado,
ajudaste-me?”, “Sim”. Pois, felicito-vos: vão passar no exame! E também queria
dizer uma coisa sobre o trabalho com jovens desocupados. Creio que aqui é
urgente, sobretudo para as congregações religiosas que têm como carisma a
educação, mas também os leigos, os educadores leigos, que inventem cursos,
pequenas escolas de emergência. Então, para um jovem que está desocupado, se
estudar, durante seis meses, para ser cozinheiro ou canalizador, para fazer
pequenas reparações – há sempre um tecto para arranjar - ou para pintor, com
esse ofício, terá mais possibilidade de encontrar um trabalho, ainda que
parcial ou temporário. Fazer o que nós chamamos de “biscate”, um trabalho
ocasional e com isso não está totalmente desocupado. Mas hoje é o tempo da
educação de emergência. Foi o que fez Dom Bosco. Dom Bosco, quando viu a
quantidade de crianças que havia na rua, disse “tem de haver educação”, mas não
mandou as crianças para a escola média ou secundária, sim aprender ofícios.
Então, preparou carpinteiros, canalizadores, que os ensinavam a trabalhar e,
assim, já tinham com que ganhar o pão. Dom Bosco fez isso. E agora gostava de
contar um episódio sobre Dom Bosco. Aqui em Roma, perto do Trastevere, onde...
Era uma zona pobre.
Sim, era uma zona muito
pobre, mas que agora é zona da moda para os jovens, para a “movida”, não é?
Pois Dom Bosco passou por ali, ia de carruagem – ou de carro, não sei – e
atiraram-lhe uma pedrada que partiu o vidro. Ele mandou parar e disse: “Este é
o lugar que onde vamos ficar!”. Ou seja, perante uma agressão, não a viveu como
agressão, viveu-a como um desafio para ajudar aquela gente, as crianças, os
jovens que só sabiam agredir. E hoje, existe ali uma paróquia salesiana que forma
jovens e crianças, com as suas escolas e as suas coisas. Assim, volto ao tema
dos jovens: o importante é que hoje se dê, aos jovens que não têm trabalho, uma
educação de emergência sobre algum ofício que lhes permita ganhar a vida.
É muito crítico também sobre o estilo de vida ocidental e da Europa, o
chamado primeiro mundo, muito centrado no bem-estar. O que é que o incomoda
mais?
Bem, quer dizer, também
nas grandes cidades americanas, quer da América do Norte, quer da América do
Sul, existe este mesmo problema, não é só na Europa...
...é o chamado primeiro mundo.
Sim, nas grandes
cidades... Em Buenos Aires há um grande sector da cultura do bem-estar e, por
isso, também há esses cordões à volta das cidades, as favelas e todas essas
coisas, não é? Eu, em relação à Europa, hoje, não lhe atiraria à cara este tipo
de coisas. Há que reconhecer que a Europa tem uma cultura excepcional.
Realmente, são séculos de cultura e isso também dá um bem-estar intelectual. Em
todo o caso, o que eu diria da Europa, é a sua capacidade de retomar uma
liderança no concerto das nações. Ou seja, que volte a ser a Europa que define
rumos, pois tem cultura para o fazer.
Mas mantém a identidade, hoje em dia, a Europa? Está em condições de
afirmar a sua identidade?
O que eu disse em Estrasburgo,
pensei muito antes de o dizer. Ou seja, volto a repetir um pouco isso: a Europa
ainda não morreu. Está meia-avozinha [risos], mas pode voltar a ser mãe. E eu
tenho confiança nos políticos jovens. Os políticos jovens tocam outra
música. Há um problema mundial, que afecta não só a Europa, mas o mundo
inteiro, que é o problema da corrupção. A corrupção a todos os níveis... e isso
também revela um baixo nível moral, não é?
O Santo Padre fala disso na sua última encíclica e pede para as populações
estarem mais conscientes. No entanto, verifica-se muita abstenção. Se vemos os
resultados das eleições, a abstenção é quase maior do que um partido…
Porque a gente está
desiludida. Em parte, por causa da corrupção, em parte pela ineficácia, em
parte pelos compromissos assumidos anteriormente. E, no entanto, a Europa
– volto a dizer o que disse em Estrasburgo – tem que desempenhar o
seu papel, ou seja, recuperar a sua identidade. É verdade que a Europa se
enganou – não estou a criticar, mas só a recordar –, quando quis falar da sua
identidade sem querer reconhecer o mais profundo da sua identidade, que é a sua
raiz cristã, não foi? Aí enganou-se. Bom, mas todos nos enganamos na vida...
está a tempo de recuperar a sua fé.
O que é que pode tocar a liberdade de alguém que “faz o que quer” e que foi
educado desde pequeno com um conceito de felicidade para quem “a felicidade é
não ter problemas”? Em geral, educam-se as crianças com este desejo de que a
felicidade é “não ter problemas e fazer o que se quer”.
Uma vida sem problemas é
aborrecida. É um tédio. O homem tem, dentro de si, a necessidade de enfrentar e
de resolver conflitos e problemas. Evidentemente, uma educação para não ter
problemas, é uma educação asséptica. Faça você mesma a experiência: pegue num
copo de água mineral, de água comum, da torneira, e depois pegue num copo com
água destilada. Mete nojo, mas a água destilada não tem problemas... (risos) é
como educar as crianças no laboratório, não é? Por favor!
Arriscar é importante?
Correr o risco, propor sempre
metas! Para educar, faz falta usar os pés. Para educar bem, há que ter um pé
bem apoiado no chão e o outro pé levantado mais à frente e ver onde o posso
apoiar. E quando tenho apoiado o outro, levanto este [faz o gesto com os pés]
e... isso é educar: apoiar-se sobre algo seguro, mas tentar dar um passo em
frente até que o tenha firme e, depois, dar outro passo.
Dá mais trabalho educar assim…
É arriscar! Porquê?
Porque talvez piso mal e caio... pois bem, levantas-te e segues em frente!
Na onda individualista em que vivemos – falou nisso em Estrasburgo – parece
um capricho exigir direitos, sempre mais direitos separados da busca da
verdade. Crê que isto é também um problema na maneira de viver a fé?
Pode ser... sempre com
mais exigências, sem a generosidade de dar. Ou seja, é exigir só os meus
direitos e não os meus deveres perante a sociedade, não é? Eu creio que
direitos e deveres caminham juntos. Senão, isso, cria a educação do espelho;
porque a educação do espelho é o narcisismo e hoje estamos numa civilização
narcisista.
E como é que se a vence, como se combate?
Com a educação, por
exemplo, com direitos e deveres, com a educação dos riscos razoáveis,
procurando metas, avançando e não ficando quieto ou a olhar ao espelho... não
vá acontecer-nos como aconteceu ao Narciso que, de tanto se olhar espelhado na
água e se achar tão lindo, tão lindo, “blup”, afogou-se. [risos]
Diz que prefere uma igreja acidentada a uma igreja estagnada. O que entende
por “igreja acidentada”?
Sim, eu explico: é uma
imagem de vida. Se uma pessoa tem em sua casa uma divisão, um quarto, fechado
durante muito tempo, surge a humidade, o mofo e o mau cheiro. Se uma igreja,
uma paróquia, uma diocese, um instituto, vive fechada em si mesmo, adoece
(acontece o mesmo com o quarto fechado) e ficamos com uma Igreja raquítica, com
normas rígidas, sem criatividade, segura, mais que segura, assegurada por uma
companhia de seguros, mas não segura! Pelo contrário, se sai – se uma igreja,
uma paróquia saem – lá para fora, a evangelizar, pode acontecer-lhe o mesmo que
acontece a qualquer pessoa que sai para a rua: ter um acidente. Então, entre
uma igreja doente e uma Igreja acidentada, prefiro uma acidentada porque, pelo
menos, saiu para a rua.
E aqui, quero repetir
uma coisa que já disse noutra ocasião: na Bíblia, no Apocalipse, há uma coisa
linda de Jesus, creio que no segundo capítulo (no final do primeiro ou no
segundo), em que está a falar a uma Igreja e diz: “Estou à porta e chamo” -
Jesus está a bater – “Se me abres a porta, entro e vou comer contigo”. Mas eu
pergunto: quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta do lado de
dentro para que O deixemos sair, a anunciar o reino? Por vezes,
apropriamo-nos de Jesus só para nós, e esquecemo-nos que uma Igreja que não está
em saída, uma Igreja que não sai, mantém Jesus preso, aprisionado.
Foi por causa disso que foi eleito Papa?
Isso pergunte ao
Espírito Santo! [risos]
Desde que é Papa, considera que a Igreja está mais acidentada?
Não sei. Sei que, pelo
que me dizem, Deus está a abençoar muito a sua Igreja. É um momento que não
depende da minha pessoa, mas da bênção que Deus quis dar à sua Igreja, neste
momento. E agora, com este Jubileu da Misericórdia, espero que muita gente
sinta a Igreja como mãe. Porque pode acontecer à Igreja o mesmo que aconteceu à
Europa, não é? Ficar demasiadamente avó, em vez de mãe, incapaz de gerar vida.
É este é o motivo do Jubileu da Misericórdia?
Que venham todos! Que
venham e sintam o amor e o perdão de Deus. Conheci, em Buenos Aires, um frade
capuchinho, um pouco mais novo do que eu, que é um grande confessor. Tem sempre
uma grande fila, com muita gente, está todo o dia a confessar. Ele é um grande
“perdoador”, perdoa muito. E, às vezes, tem escrúpulos por ter perdoado muito.
Então, uma vez, em conversa, disse-me: “Às vezes, tenho escrúpulos”. E eu
perguntei-lhe: “E o que fazes, quando tens esses escrúpulos?”. “Vou diante do
sacrário, olho para o Senhor e digo-lhe: Senhor, perdoai-me, hoje perdoei
muito, mas que fique bem claro que a culpa é toda vossa, porque fostes Vós a
dar-me o mau exemplo!"
Por isso o Santo Padre, neste sentido, também decidiu, nesta carta [a
monsenhor Rino Fisichella sobre o Jubileu da Misericórdia] propor o perdão às
situações mais difíceis e agora mesmo publicou estas cartas [de “motu proprio”,
iniciativas do Papa que têm normalmente a forma de decreto] que aceleram os
processos de nulidade. Isto também tem a ver com o Jubileu?
Sim, simplificar...
Facilitar a fé às pessoas. E que a Igreja seja mãe...
A razão destas cartas “motu proprio” para a nulidade qual é, exactamente, é
agilizar?
Agilizar, agilizar os
processos nas mãos do bispo. Um juiz, um defensor do vínculo, só uma sentença,
porque até agora havia duas sentenças. Não, agora, é só uma. Se não houver
apelo, já está. Se houver apelo, vai para o metropolita, mas agilizar. E também
a gratuidade dos processos.
O Santo Padre fez isto a pensar também no Sínodo e no Jubileu?
Está tudo relacionado.
Já sei que não quer falar do Sínodo, mas, no seu coração de pastor
universal, o que pede?
Peço que rezem muito.
Sobre o Sínodo, vocês os jornalistas, já conhecem o “Instrumentum Laboris”.
Vai-se falar disso, do que lá está. São três semanas, um tema, um capítulo,
para cada semana. E esperam-se muitas coisas, porque, evidentemente, a família
está em crise. Os jovens não se casam. Não se casam. Ou então, com esta cultura
do provisório, dizem “ou vivo junto ou me caso, mas só enquanto dura o amor,
depois, tchau...”
E que diz a quem vive uma moral contrária à indicação da Igreja e que tem
esta ansiedade de perdão?
Lá no Sínodo vai-se
falar de todas as possibilidades de ajudar estas famílias. Que uma coisa fique
clara – e que o Papa Bento o deixou bem esclarecido: as pessoas que vivem uma
segunda união não estão excomungadas e têm de ser integradas na vida da Igreja.
Isso ficou claríssimo. E eu, no outro dia na catequese, também o disse
claramente: aproximar-se da missa, da catequese, na educação dos filhos, nas
obras de caridade... há mil coisas, não é?
Santidade, gostaria de terminar com perguntas sobre a sua vocação. No
início de Março de 2013, preparava-se para ir para a “reforma”. Já tinha
decidido onde ia ficar a viver, etc.. No entanto, tornou-se um dos homens mais
famosos a nível mundial. Como vive esta circunstância?
Não perdi a paz. É um
dom... a paz é um dom de Deus. É um dom que Deus me deu, algo que eu não
imaginava, pela idade que tenho e por tudo isso. E, mais ainda, eu até já tinha
previsto o meu regresso, pensando que nenhum Papa seria escolhido na Semana
Santa. Então, se demorássemos a elegê-lo, teríamos de nos despachar até sábado,
antes do Domingo de Ramos. E comprei um bilhete de regresso, para poder
celebrar Missa no Domingo de Ramos e até deixei preparada, na minha
escrivaninha, a homilia. Foi uma coisa que eu não esperava e, em Dezembro,
deixaria o cargo para o qual ia ser nomeado um sucessor. Assim...
…há toda uma aventura, agora, à sua frente.
Tudo... mas não perdi a
paz. Não perdi a paz.
O Papa Francisco é amado em todo o mundo, a sua popularidade cresce, como
revelam as sondagens, e tantos querem vê-lo candidato ao prémio Nobel. Mas
Jesus avisou os seus: ”Sereis odiados por causa do meu nome”. Como é que se
sente, Santidade?
Muitas vezes me pergunto
como será a minha cruz, como é a minha cruz... As cruzes existem. Não se vêem,
mas estão lá. E também Jesus, num certo momento, foi muito popular e, depois,
acabou como acabou. Ou seja, ninguém tem garantida a felicidade mundana. A
única coisa que eu peço, é que me conserve a paz do coração e que me conserve
na sua Graça, porque, até ao último momento, somos pecadores e podemos renegar
a sua Graça. Consola-me uma coisa: que São Pedro cometeu um pecado muito grave
– renegar Jesus – e, depois, fizeram-no Papa... Se com este pecado o fizeram
Papa, com todos os que eu tenho, consolo-me, pois o Senhor cuidará de mim como
cuidou de Pedro. Mas Pedro morreu crucificado, enquanto eu não sei como vou
terminar. Que Ele decida, desde que me dê a paz, que Ele faça o que quiser.
Como é que vive a sua liberdade sendo Papa? Apareceu de surpresa numa missa
em S. Pedro, de manhã cedo, foi ao oculista arranjar os óculos… Precisa do
contacto com as pessoas?
Sim, tenho necessidade
de sair, mas ainda não chegou a altura certa... mas, pouco a pouco, vou tendo
contacto com as pessoas às quartas-feiras e isso ajuda-me muito. Sim, a única
coisa que estranho em relação a Buenos Aires é sair a “callejear”, andar na
rua.
E terminamos com umas perguntas rápidas: o que lhe tira o sono?
Posso dizer-lhe a
verdade? Durmo como uma pedra! [risos]
E o que o faz correr?
Sempre que há muito
trabalho.
O que nunca é urgente, que pode esperar?
O que não é urgente? As
pequenas coisas que podem esperar até amanhã ou depois. Há coisas que são
muito urgentes e outras que não são urgentes... mas não saberei dizer-lhe, em
concreto, que isto é mais urgente do que aquilo.
Com que frequência se confessa?
Todos os 15 dias, 20
dias. Confesso-me a um padre franciscano, o padre Blanco, que tem a bondade de
vir cá confessar-me. E nunca tive de chamar uma ambulância para o levar de
regresso, assustado com os meus pecados! [risos]
Como e onde gostaria de morrer?
Onde Deus quiser. A
sério... onde Deus quiser...
A última: como imagina a eternidade?
Quando era mais novo,
imaginava-a muito aborrecida [risos]. Agora, penso que é um Mistério de
encontro. É quase inimaginável, mas deve ser algo muito bonito e maravilhoso
encontrar-se com o Senhor.
Obrigada, Santo Padre.
Obrigado eu, e uma
grande saudação a todos os ouvintes desta rádio. E, por favor, peço-vos que
rezem por mim. Que Deus vos abençoe e que a Virgem de Fátima vos proteja.
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